Texto publicado originalmente em 2006 no livro «Sport Europa e Benfica», a propósito da 2ª mão da final da Taça UEFA, a 18 de maio de 1983
O fascínio de Eriksson mantém-se intacto, muitos anos depois. «Treinei tantos grandes jogadores nesse Benfica! Humberto Coelho, Carlos Manuel, Chalana - o Chalana era fantástico! E Filipovic, Nené, Bento. O Bento era um guarda-redes muito talentoso e rápido», recorda. A memória anima-o a avançar o calendário: «Desde então o futebol ficou melhor, os jogadores refinaram a técnica, todas as equipas são agressivas e o jogo é mais rápido. Mas essa era uma grande equipa em qualquer tempo.»
A final perdida com o Anderlecht, em Lisboa, não lhe diluiu a aura mítica. Da Hungria de 1954 ao Brasil de 1982, o futebol gosta de perdedores com classe. E, no entanto, podia não ter sido assim, garante Chalana: «Cá foi tudo diferente do habitual: a palestra de Eriksson durava cinco ou dez minutos e dessa vez falou meia hora, quase só sobre o adversário. Ficámos a olhar uns para os outros: não havia justificação para aquela mudança, só se ele queria perder.»
Nem só a abordagem ao jogo mudou. João Alves ainda hoje não percebe por que razão saiu da equipa: «Ainda entrei no segundo jogo, mas em Bruxelas nem fui convocado. Não sei o que se passou, mas eu já não estava na cabeça dele.» A troca de Álvaro por Veloso, vindo de lesão prolongada, também causou estranheza, mas já a colocação do goleador Filipovic no banco é justificada pelo próprio, ilibando o técnico: «A verdade é que eu estava lesionado e pela primeira vez tivemos dificuldades para apresentar o onze principal.»
Talvez seja inevitável procurar culpas, mas quem consegue olhar para esses jogos friamente explica as coisas de forma mais simples: «O Anderlecht era mais vulnerável em casa do que fora», lembra Toni, secundado por Filipovic e quase todos os outros: «Perdemos a Taça em Bruxelas, falhámos muitas oportunidades no Heysel.»
Assim, a equipa entrou na Luz obrigada a recuperar de uma derrota, a única em toda a campanha. Um golo anulado ao Anderlecht deu o aviso inicial. Poucos o levaram a sério. «O ambiente de festa não ajudou, os adeptos achavam que recuperar da desvantagem eram favas contadas», recorda Shéu que à meia hora subiu ao cume da carreira com um golo invulgar. «Eu era o médio mais recuado, tinha de compensar as subidas dos defesas. E devia ter ficado quando vi o Humberto avançar para a área. Mas tive um flash do que ia acontecer: sabia que o Chalana nunca perdia a bola e senti que ia cruzar e o Humberto não teria espaço para o remate. Pensámos os três a mesma coisa, no mesmo instante», recorda. Depois de Humberto amortecer com o peito o remate saiu, indefensável, e a Luz explodiu. Por pouco tempo: «Ainda estávamos a festejar, a acertar posições, e eles em três toques fizeram o empate; nós, tão experientes, a sofrermos um golo tão ingénuo de uma equipa de miúdos...», lamenta António Bastos Lopes, enquanto Shéu enumera uma «invulgar sucessão de erros tácticos» no lance do 1-1. «Quisemos ganhar depressa de mais e perdemos a cabeça com o golo. Às vezes ganham-se taças só pela rotina de ganhar. Neste caso, fomos atraiçoados por o futebol português não ir a uma final há tanto tempo», resume Nené.
Mesmo faltando quase uma hora para o fim, a cabeçada de Lozano esvaziou o balão de uma vez só. «Foi duplamente pena: pela oportunidade única de ganhar a Taça no nosso estádio e porque aquela geração chegou ao fim sem qualquer troféu europeu», lamenta Humberto.
FICHA DO JOGO
18 de Maio de 1983
Estádio da Luz, em Lisboa
Árbitro: Charles Corver (Holanda)
BENFICA: Bento; Pietra, Humberto Coelho «cap.», António Bastos Lopes e Veloso (Alves, 62); Shéu (Filipovic 50); Carlos Manuel, Stromberg e Chalana; Diamantino e Nené
Treinador: Sven-Goran Eriksson
ANDERLECHT: Munaron; Olsen; De Greef, Broos, Peruzovic e De Groote; Frymann, Coeck e Vercauteren; Vandenbergh (Brylle, 77) e Lozano
Treinador: Paul van Himst
Marcadores: 1-0, Shéu (31); 1-1, Lozano (38)
Resultado final: 1-1
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